terça-feira, 19 de janeiro de 2010

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SEGUNDO CAPÍTULO
Gran Cassino




Saímos a passos em direção do Gran Cassino Cartagena. O calor era intenso, milhares de pessoas estavam nas ruas estreitas da cidade antiga.

Algumas faziam compras, outras tiravam fotos nas esculturas de Botero* que se espalhavam por todo o caminho.


- Essas esculturas são uma apologia a obesidade. - disse Vicentino.


- Quanta barbaridade, são obras, será que você não consegue ver o valor artístico, ao invés de difamar o artista.


- Só estou falando a verdade, nunca entendi porque ele só gosta de gordos.


Em meio às discussões sem sentido algum de Vicentino e Lurdes, pessoas se cruzavam contemplando as belas fachadas das casas antigas de Cartagena. Aos poucos estávamos próximos do cassino e já se podiam avistar as luzes coloridas da casa de jogos.


- Vejam isso! Chegamos ao melhor da noite, jogos, mulheres, bebidas! - Gritou Vicentino.
- Vamos João, vamos à diversão - disse Lurdes, que também parecia empolgada com o clima criado por Vicentino.


Em pouco tempo estávamos completamente a vontade no cassino, Lurdes já não era a mesma mulher quieta que havia conhecido horas a trás no bar do Hilton, estava mais sexy, mas insinuante, isso tudo me maravilhava, ficava observando cada movimento que ela fazia, seus trejeitos ao atirar os dados na mesa de jogos. Ela realmente era linda, tinha o dom de me fazer esquecer de onde eu era e de quem eu era.
- Lurdes, veja só, esta é Maria. - Disse Vicente.
- Olá! Tudo bem, muito prazer! Tome cuidado com o Vicentino, ele é muito galanteador! (risos)
- Vicentino já arrumou sua metade. - Disse-me Lurdes, com uma voz trêmula que saía dos seus lábios carnudos quase tocando em minha orelha.


Aos poucos eu me via mais envolvido, estava quase dominado por aquela mulher diferente de todas que já havia conhecido. Ficamos jogando e bebendo ao mesmo tempo em que trocávamos olhares sedutores dizendo muitas coisas sem falar quase nada.


“Atenção clientes da casa, - anunciaram os auto-falantes do cassino – estamos recebendo a visita da Polícia colombiana, sendo assim, vamos para parar os jogos por alguns instantes.”
- Polícia? O que eles querem? Isso é comum por aqui? - Perguntei a Lurdes que estava do meu lado.
- Sim, isso é uma fiscalização de rotina, ainda somos um país problemático, a presença das forças ajuda a manter o controle nacional.
“Senhores e senhoras, - mais uma vez os auto-falantes - todos devem ter seus documentos em mão. Os estrangeiros além dos documentos devem mostrar seus passaportes.”
Levei a mão ao bolso e percebi que estava sem meus documentos, carteira e passaporte. Entrei em total desespero! Em um segundo já havia um policial na minha frente esperando minha identificação.
- Meus documentos...
- O que houve? – Perguntou Lurdes.
- Não sei, aquela batida no táxi, deve ter sido ali, sei lá... Não sei onde estão.-
Os documentos, por favor! - Disse o guarda, que estava na minha frente, com um tom áspero.
- Eu... Eu os perdi, mas estou com o casal! Vicentino pode confirmar, é aquele senhor no canto do bar. Ei Vicentino! Diga a ele que estou com vocês e estou hospedado no...
- Chega! - Gritou o guarda. Em seguida, ordenou que Vicente fosse até onde ele estava. Você conhece esse homem?


Nessa hora senti um profundo medo que Vicentino não fosse a pessoa que eu gostaria que ele fosse. Por mais que desconfiasse dele em um primeiro momento, depois de algumas horas ele havia me transmitido um pouco de confiança e admiração. Com o silêncio de Vicentino busquei amparo em Lurdes.


- Guarda, ela pode confirmar, Lurdes é seu nome, ela está conosco, ela pode dizer que...
- Eu não perguntei nada pra você! – Interrompeu-me o guarda. Vamos homem, você conhece esse sujeito?
- Sim, sim! Ele está conosco. É brasileiro, está hospedado no Hilton e vai participar do fórum da Microsoft... E nós o convidamos para sair. Tivemos um pequeno acidente com o táxi que nos trouxe e acredito que nesse momento ele deve ter perdido seus documentos.
- Muito bem, sem documentos em um país que não é o seu.
- Senhor desculpe-me, eu percebi agora que estava sem os documentos, eu não havia...
- Chega - Esbravejou o guarda autoritário, mais uma vez me interrompendo. Vou fazer de conta que nada disso ocorreu, mas retorne ao hotel imediatamente, estamos entendidos?
- Sim, com certeza!
“Atenção clientes, - os auto-falantes novamente - agradecemos a colaboração de todos e a seguir continuaremos com os jogos. Divirtam-se!”
- Vou embora!. Desculpe-me por tudo isso! Eu não sabia que havia perdido meus documentos.
- Vicentino... Vou levar o João ao hotel, pois devemos seguir o conselho do policial - Disse Lurdes.
- Vicentino eu quero te agradecer, você foi muito bacana! Lurdes você pode ficar, não quero estragar a noite de vocês, eu tenho algum dinheiro que havia colocado no bolso da camisa, posso pegar um táxi, vou ficar bem, não se preocupem. Amanhã estarei no hotel e pago a minha parte, me desculpem...
- O que é isso brasileiro?! Fique tranqüilo! Eu realmente vou ficar! - Vicentino se aproximou do meu ouvido e disse - Tenho que cuidar da Maria! (risos) Mas a Lurdes te acompanha, não é bom você andar sozinho por Cartagena, mesmo que de táxi, está sem documentos e sem alguém conhecido.


Naquela hora olhei bem para aquele homem, que embora tivesse conhecido a poucas horas, tinha me salvado de uma grande enrascada, estranho isso, às vezes na vida conhecemos pessoas uma vida toda e não nos representam nada. Procurava encontrar alguma semelhança do Vicentino com alguém, mas não encontrava, ele era único, fiquei me perguntando se um dia ainda o veria novamente. Bem mas eu tinha que voltar ao hotel, passar no restaurante, buscar o taxista, com certeza meu passaporte tinha que estar em algum lugar.
- Tudo bem, eu acompanho o João ao Hotel! Garçom, chame um táxi, por favor.
- Sim senhora, agora mesmo! Pode me acompanhar até a frente do cassino, já temos um na porta.
Sai olhando aquela “figura” chamada Vicentino, que se divertia entre as mulheres e as bebidas no balcão do bar, antes de chegar na porta ainda acenei, mas ele já estava em outro planeta. Subimos no táxi e saímos pela noite de Cartagena, lá estava eu no lado de uma linda mulher no banco de uma BMW. Olhei fixo para os lábios trêmulos de Lurdes e a beijei com a mesma magia de um beijo adolescente, daqueles que parecem não ter fim, tamanho o medo de parar e nunca mais se repetir. Tinha ela em meus braços em uma entrega absoluta, já não via mais a cidade, pois meus olhos permaneciam cerrados, em uma vigem sem voltas ao encontro do prazer.
- Vamos paro o motel, - Lurdes sussurrou no meu ouvido – conheço um aqui perto, depois voltamos para o Hilton.


Eu não tinha como recusar aquela proposta, estava totalmente envolvido com aquela mulher, em minha cabeça não havia mais lembranças de quem eu era ou de onde eu era, não hesitei em concordar com a nossa ida para o motel.


- Senhor, por favor, vamos mudar o itinerário, vamos ao Motel La Caricia.
- Sim senhora, como quiser.


Chegamos ao motel, dei cinco dólares para o taxista e entramos no amplo e claro quarto. Como todos os motéis, era simples, porém aconchegante. Entrei no quarto já tomado por um prazer louco, em meio às roupas que caiam no piso do quarto, começamos a fazer amor como há tempos não fizera. Nossos membros se entrelaçavam pela cama, entre caricias e beijos, e assim ficamos até que nossos corpos destilassem orgasmos de um para o outro. Repetimos a mesma magia até que a exaustão nos tomasse por completo, jogando-nos para um sono profundo.


- Senhor... Senhor...- Só um pouco por favor, quem é?- Sou o porteiro, tentei telefonar mas o senhor não atende...
- Sim... Eu vou tomar um banho, me ligue em alguns minutos, ok.
- Tudo bem.- Lurdes! Lurdes! Você está no banho? Lurdes...


Levantei e caminhei até o banheiro e para minha surpresa Lurdes não estava. Abri a porta do quarto, gritei seu nome, mas ela não estava. O quarto estava sombrio, desarrumado, sem o encanto de ontem e sem a mulher que virou minha cabeça.


- Alô! É da portaria?
- Sim, é da portaria.
- Por acaso vocês viram uma mulher alta, de vestido branco sair do Motel?
- Senhor, não olhamos as pessoas que saem do motel, são regras da gerência.
- Que merda de regra nenhuma, sei que vocês olham todo mundo, é assim em tudo que é motel, só quero saber se vocês viram essa mulher sair!
- O senhor está sendo indelicado, contenha-se!
- Indelicado? Eu?! Só estou fazendo uma pergunta simples, isso é ser indelicado aqui na Colômbia?
- Senhor, sua diária está encerrando, por favor, feche o quarto e traga as chaves.


Pensando, sentei-me na beira da cama e repensei cada momento da noite passada. Aos poucos fui me lembrando do que havia acontecido. Meu Deus! O que fiz?! Transei sem camisinha! São quase uma hora da tarde, minha mulher deve ter me ligado, vim parar em um motel sem dinheiro... Ai! Dinheiro! Como vou sair deste motel, só tenho dez dólares, na verdade cinco, porque cinco dei para o taxista! Calma... Calma... Tudo se resolve! Vou até a portaria digo que fui roubado pela mulher que estava comigo e que estou hospedado no Hilton. Basta apenas alguém me acompanhar e efetuo o pagamento no Hotel, tenho um cartão de credito no meu quarto, só tenho que fazer um saque em um terminal do Visa. É isso! Vamos lá, vai dar tudo certo! Saí do quarto e me dirigi para a portaria pra tentar explicar toda a confusão. Dei de cara com o porteiro, que essas alturas estava indignado comigo por causa do telefonema.


- Amigo, me desculpe, tive problemas na noite passada, acordei mal humorado e acabei sendo indelicado com você...
- O senhor consumiu alguma coisa do frigobar?
- Não, nada do frigobar...
- Muito bem são setenta dólares.
- Ah! Sim, claro, ah... Eu estou com um pequeno probleminha, a mulher. Essa que eu perguntei se você tinha visto, lembra? Pois bem, ela, não sei ao certo, mas parece que roubou minha carteira, estou sem documentos e sem dinheiro...
- Não posso fazer nada senhor, são setenta dólares.
- Sei, sei... Mas veja bem, eu estou hospedado aqui perto no Hilton, se alguém for comigo até lá eu efetuo o pagamento, dou uma boa gorjeta. Quem sabe nesse caso posso dar cem dólares?!
- Por favor, aguarde nessa sala, vou ver o que posso fazer pelo senhor.
- Obrigado, obrigado mesmo e mais uma vez me desculpe pela grosseria que fiz a você.
Fiquei na pequena sala aguardando uma solução para a porcaria que eu tinha me metido. Depois de uns vinte minutos escutei uns passos que vinham em direção à sala.
- Boa tarde! O senhor é o estrangeiro sem dinheiro e sem documentos. É isso?
- Sim, mas eu já expliquei, estou hospedado no...
- Não serão mais necessárias explicações, somos da policia e o senhor terá que nos acompanhar.
- Por favor, não é o caso, eu estou em um quarto no Hilton, está havendo um terrível engano...
- Sua resistência não o ajudará em nada, por favor, nos acompanhe.
- Como assim, que droga de país é esse?! Estou representando o Brasil, tenho um fórum amanhã, isso é um equívoco!
- O senhor representa seu país em motéis?
- Não, não... É claro, o senhor tem razão, cometi um erro, mas posso provar que...
- Pela última vez, nos acompanhe ou vamos ser obrigados a levá-lo a força.


Não tive como fazer algo e só me restou acompanhar os guardas até o Distrito Policial. Na delegacia, fui jogado em uma cela com mais dois detentos e permaneci ali até a noite chegar. Estava apavorado, me perguntando que droga eu tinha feito e não parava de pensar na Fernanda. Que loucura, isso não podia estar acontecendo comigo! Meu celular... Tenho que pegar meu celular!


- Ei... Tem alguém aí... Ei... Policial, é uma emergência...
- Eles estão muito preocupados com você! – Disse um dos homens que estava na cela comigo. Fiz de conta que não tinha ouvido sua manifestação e me sentei no chão fresco próximo as grades.


- Tem algum estrangeiro aí? Gritou um guarda que se aproximava da cela.
- Sim! Eu sou brasileiro.
- O Comissário quer falar com você. Vamos! – Ordenou o guarda, que me levou em direção a próxima sala, e disse:

- Sente-se aí e espere.


Sentado, fiquei me perguntando por que era tão difícil algo tão simples, bastava alguém se certificar se eu estava hospedado no Hilton, só isso, mas quanto mais passava o tempo era como se tudo se complicasse cada vez mais.


- Muito bem, você é o estrangeiro! Brasileiro pelo que soube a pouco, que anda na Colômbia sem documentos, sem passaporte, sem dinheiro, fazendo orgias em motel, destratando recepcionistas e por fim, resistindo à prisão dos guardas e falando que a Colômbia é uma merda.
- Na verdade, há uma grande confusão em tudo isso, eu não...
- Ainda não dei ordem pra você se expressar - Disse o Comissário ditador - O que você faz aqui na Colômbia?
- Eu estou representando o Brasil no fórum da Microsoft, o fórum...
- Representando o Brasil, quer dizer que os representantes do Brasil, costumam representá-lo em motéis?!
- Realmente cometi um erro. Mas...
- Você diz que está hospedado no Hilton, muito bem! Vamos verificar isso. Coloque seu nome e o número do seu quarto nesse papel, coloque também o nome de uma pessoa do seu país como referência e um número para contato.
- Sim senhor. Eu posso fazer uma ligação, meu celular está com seus guardas, tenho que...
- Você não tem nada, apenas aguarde - Guarda - Leve o estrangeiro para a cela, ele vai aguardar enquanto vamos averiguar se ele realmente está hospedado no Hilton.


Ao retornar para a cela, fiquei pensando em tudo que estava acontecendo. Fernanda... Tinha que ligar pra ela! Droga, que merda que eu fiz, dei o nome dela e número da minha casa. Eles me encontraram em um motel...

*Nascido em Medellin, Colômbia, Botero mudou-se para Bogotá em 1951 e realizou sua primeira mostra internacional no Leo Matiz Gal. Partindo para Madrid em 1952, estudou na Academia de San Fernando. De 1953 a 1955, aprendeu a técnica de afrescos e história da arte em Florença, que tem influenciado suas pinturas, desde então. De volta à Colômbia, expôs na Biblioteca Nacional, em Bogotá, e começou a lecionar na Escola de Belas Artes da Universidade Nacional; naquele mesmo ano, passou algum tempo no México, estudando os murais políticos de Rivera e Orozco, cuja influência é evidente em sua perspectiva política

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